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Persona 5 - Parte 2 - It shall become the wings of rebellion that breaketh thy chains of captivity.

  • Foto do escritor: Silézio Luiz
    Silézio Luiz
  • 31 de jan. de 2018
  • 9 min de leitura

Só spoilers leia por sua conta e risco

Serão as asas da rebelião que quebrarão as correntes do seu cativeiro

Aspectos filosóficos do jogo e a psicologia de Carl Jung

Carl Gustav Jung foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço que propôs os modelos de personalidade introvertido e extrovertido, bem como um meio termo entre ambos, o conceito de arquétipo, inconsciente coletivo e de personas. Basicamente uma persona é uma “máscara” que usamos no nosso convívio social. São as facetas da personalidade do indivíduo que ele decide mostrar conforme o meio que está. E esse conceito é a base Persona, sendo as personas os seus “summons” (invocações) que evoluem a partir de shadows (sombras) que vem do mar de almas e inconsciente coletivo. Vale lembrar que o conceito de sombra e o mar das almas na psicologia também são conceitos de Jung. Cada persona tem características próprias (sendo divididas nas arcanas conforme as cartas de tarô, sendo cada carta uma arcana, magician, death, strenght, sendo assim as personas sendo agrupadas de forma a seus arquetipos serem equivalentes a suas arcanas, o que afeta inclusive a forma como as usamos no jogo) que as fazem ter personalidades únicas e o fato de elas serem entidades históricas ou deidades se justifica em serem figuras comuns e admiradas no inconsciente coletivo, e como é de lá que as sombras vem, é normal que elas se materializem com arquétipos de deuses, demônios ou heróis do imaginário popular. Aqui no quinto jogo ao despertar sua persona os personagens arrancam essa máscara, representando ali o processo doloroso de primeiro mostrar quem você é para a sociedade, e segundo a dor que acompanha quem se rebela contra ela. Essa dor é visível tanto na percepção do personagem do que está errado e das injustiças que é forçado a aceitar com sua atual máscara e também no sangue na face dos personagens ao arrancar a máscara. A partir do momento de seu despertar a cognição do personagem no metaverso muda, para a de sua nova máscara que é estritamente relacionada a sua personalidade, mas não a que a sociedade vê e sim o seu eu interior. O protagonista se torna o ladrão elegante, Arsene Lupin, uma espécie de Robin Hood, com o objetivo de roubar os desejos distorcidos dos vilões. Uma abordagem interessante no jogo sobre esses desejos distorcidos acontece quando vemos que ao tirar esses desejos dos vilões eles se tornam marionetes do inconsciente coletivo, perdendo a força de vontade, se tornando apáticos como todos os outros pois o desejo distorcido foi nutrido por tanto tempo que passou a ser tudo o que tinham. Isso não só é uma referência direta ao fato de que é necessária paixão, desejo, para mudar a sociedade, como também alegoriza o fato de que nem sempre é alguém bem intencionado que transforma a sociedade, e nisso podemos encaixar diversas pessoas do mundo real que mudaram o mundo não pelo desejo de transformar o mundo num lugar melhor, mas por simplesmente querer realizar um sonho pessoal.

Lore

Pra entendermos bem Persona temos que dar uma mergulhada no seu lore. E para isso temos que voltar em Shin Megami Tensei, na verdade, voltaremos para Megami Tensei. A série Persona é um spin off de Shin Megami Tensei que por sua vez é um spin off de Megami Tensei que é baseado num livro de homônimo. Megami Tensei se trata, a grosso modo, do confronto entre as forças do caos e da ordem. Diferentemente do público ocidental o bem o mal não são tão “preto no branco” como no cristianismo e demais religiões monoteístas. Assim, em diversas religiões monoteístas o conceito de deus e demônio são um pouco mais complexos bem como suas atribuições. As forças da ordem, como por exemplo anjos lutam para manter a ordem e o status quo atual independente de qual seja e a qual custo, bem como as forças do caos lutam contra o status quo, qualquer seja, a qualquer custo. Meio que é o lance de Lúcifer ter se revoltado contra Deus e por isso ter decaído. Só que o status quo das religiões cristãs é um onde prevalece o bem, e por isso demonizar o anjo caído é torna-lo em um ser puramente mau. No caso da série Megami Tensei e especificamente em Persona 5 temos que tentar entender o enredo não como uma luta do bem contra o mal mas do ímpeto contra a apatia, da rebelião contra o conformismo. Mas ainda vamos chegar nisso. Primeiro temos que entender um pouco do cenário cultural do Japão contemporâneo e mesmo do cenário político mundial atual.

No mundo inteiro temos um cenário nacionalista muito forte, seja nos Estados Unidos, Japão ou mesmo aqui no Brasil, há um forte sentimento, uma necessidade de tornar a nações fortes novamente, o que é natural após os desdobramentos de uma crise mundial recente. E em muitos casos isso implica na aceitação de um líder com esse discurso nacionalista, não importa como ele seja. Make America great again, Make Japan great again... por aí vai.

Muitos eventos abordados em Persona 5 tem correlação ou semelhança com fatos reais ocorridos no Japão e as vezes difíceis de acreditar que existam lá, já que temos uma visão romantizada do país do sol nascente, que acredite ou não tem muitos problemas, assim como qualquer nação tem.

Duas dungeons (os palácios) em especial tocam em assuntos que remetem a fatos ocorridos no Japão, a primeira, do professor de educação física Kamoshida, que comete abuso físico e sexual contra seus alunos é semelhante a casos de medalhistas olímpicos que fizeram o mesmo em escolas japonesas e inclusive a tentativa de suicídio da personagem Shiho tem verossimilhança com um suicídio ocorrido numa escola japonesa após abuso por um professor, sendo que na vida real o desfecho foi a morte do estudante.

Outra dungeon com semelhança a fatos reais é a do plagiador Madarame e uma mais adiante, bem intensa é a de um presidente da companhia alimentícia, Okomura, que no jogo abertamente usa de mão de obra “escrava” e vendendo alimentos com matéria prima estragada ou de procedência duvidosa.

Há ainda a abordagem ao fenômeno dos hikikomori (cidadãos que se isolam da sociedade e ficam o tempo todo dentro de seus quartos), mas esse vou abordar especificamente na terceira parte pois é intimamente ligado a um dos membros da party.

Trama

Shidou é um jovem político, que usa sua lábia, discurso nacionalista conservador e influência através do metaverso para obter ascensão em sua carreira e se tornar primeiro ministro.

Assim, o jogo faz de certa maneira um paralelo da corrupção de pessoas de importância no Japão real com o Japão no jogo. E faz um link com a disputa entre o caos e ordem. Esse link é estabelecido com 3 personagens durante o jogo.

Goro Akechi, Masayoshi Shidou e o anfitrião da Velvet Room, Igor. A trama evolui de um estado onde você passa de um estado onde você é oprimido para um onde você deve tomar as rédeas e encandecer uma transformação.

Os fortes elementos sobrenaturais herdados da série principal nos levam a derradeiramente enfrentar algum deus nos confrontos finais nos Personas. Assim foi no final verdadeiro do P4 e assim é em P5. Só que em Persona 5, atingir o final verdadeiro e esse confronto é bem mais fácil, e francamente necessário, ao passo que no anterior não atingir o último chefão não implica em algo ruim para a história em si ou para sua experiência em si. Para desfrutar da experiência de Persona 5 como ela é concebida você deve enfrentar o último chefão.

Os elementos da trama do jogo anterior aqui são escalonados, como o social link de Persona 4 Toro Adachi sendo um vilão crescendo nesse jogo para um membro de sua party sendo um traidor e um dos perpetradores de todo o mal ocorrido no jogo até o momento. Goro Akechi entra para sua party de uma forma totalmente diferente dos membros restantes que dá a entender que ele é o traidor mencionado no início do jogo (você passa até metade do jogo num flashback) mas desde sua apresentação na história ele é introduzido de forma tão bem construída que é fácil você pegar afeição pelo personagem e só imaginar que talvez ele não tenha tido o mesmo desenvolvimento que os outros por entrar na sua equipe num ponto já alto do jogo. Some-se a isso os conflitos passados pela equipe que talvez possam deixar margens para que você suspeite de outro. Goro Akechi não só é o traidor como é a figura do antagonista máximo de seu personagem, o protagonista. Goro se assemelha de certa forma ao protagonista do quarto jogo, sendo bastante confiante, decidido e popular, em contrapartida ao protagonista mais reservado e acuado. Quando pensamos na semelhança de Goro com o herói de Persona 4 fica ainda mais evidente que ele é um “zero” um ser típico da mitologia de Persona que é normalmente o protagonista do jogo. Onde zero significa que ele não possui uma limitação e, portanto, tem o poder de obter várias personas. O personagem que acreditamos durante a maior parte do jogo ser Igor, o anfitrião da Velvet Room descobre o protagonista e Goro e faz um jogo com ambos, sendo que cada um dos zeros representa o caos (protagonista) ou a ordem (Goro).

Goro recebe o poder de entrar no metaverso e utiliza sua capacidade como zero para não fazer o mal, mas atingir a justiça que ele acredita, impor a ordem contra o grande mau em sua vida, seu pai, Masayoshi Shidou. Goro é filho bastardo e renegado de Shidou, mas quando ele rouba dados de pesquisa cognitiva sobre o metaverso e arquiteta planos para usar isso a favor de sua ascenção política se aproveita dos talentos de Goro para realizar seus planos. Goro aceita emprestar seus dons para a conclusão da visão de Shidou com o único intento de destrona-lo no final.

Tudo isso, aparece bem no fim da narrativa, mas no melhor estilo M Night Shyamalan, há pequenos indícios do pano de fundo por todo jogo, até mesmo da falsa identidade de Igor, mas diferente do que é feito em Persona 4, esse plot twist é mais fácil de acontecer e mais justificado. Em Persona 4 todo o pano de fundo por traz do terror sobrenatural é a vontade egoísta de um deus louco, aqui em P5, esse deus louco encontra apoio para seu intento em Goro, Shidou e na sociedade.

A persona de Shidou quanto o confrontamos é um ser bestial formado pela junção das massas que ele manipula.

Isso faz com que, quem estava na vibe mais divertida e intimista de Persona 4, ache, até ali pelos 60% do jogo que tudo no jogo é algo meio distante, difícil de se conectar até que você percebe estar sendo usado num jogo, até você notar que foi oprimido desde o início do jogo pela vontade do falso Igor e de Shidou. Quando você desenvolve uma amizade com Goro e é traído. Tudo isso faz a trama crescer, e ascende a rebelião em você. E é sobre a pequena chama da esperança se transformar em rebelião que se trata esse jogo. O impacto disso tudo ocorre mais adiante no jogo, mas o primeiro palácio (dungeon) ascende a primeira centelha do seu ímpeto. Seu personagem é visto como criminoso, injustamente (Tentou evitar que uma mulher sofresse abuso por parte de um bêbado, muito influente, que mais tarde descobrimos ser Shidou, e ao tentar intervir acaba por ser processado e condenado) enquanto Kamoshida o professor de educação física medalhista olímpico comete crimes horrendos e é tido como herói. Kamoshida espanca meninos e abusa assedia sexualmente de meninas com “consentimento” de professores e pais enquanto você (protagonista) é transformado em vilão porque tentou fazer o bem, tentou ajudar alguém. Todos se omitem pois Kamoshida traz prestígio para a escola, e quando seu personagem descobre, com auxílio do primeiro integrante da party, Ryuji, toda a corrupção do herói do colégio e você tenta fazer algo a respeito, você vira um estorvo. Quantas vezes vemos algo errado e ficamos inertes ou julgamos quem está fazendo algo para tentar impedir (ah esses protestos estão atrapalhando o trânsito, o que é o trânsito perto de corrupção?) como um incômodo. E assim como a sociedade moderna no geral se encontra acomodada, acostumada ao status quo, que segue a sociedade no jogo. O que fortalece o vilão, uma representação do Santo Grau, aquele que pode conceder os desejos de quem o possuir. O desejo da sociedade é que tudo esteja “bem” não importando o quão mal esteja, a sociedade não quer lutar, quer alguém que lute por ela, a sociedade quer que a situação se resolva sozinha se possível. E Holly Grail (que mais tarde se revela ser o deus Yaldabaoth) se fortalece com esse "desejo" da sociedade, manipula os zeros para que atendam os desejos das partes da sociedade até que a grande maioria se veja dependente de um herói idealizado, algo que una os desejos de tranquilidade e comodismo, se vale da ambição de Shidou para controlar quem for preciso, destruir quem estiver no caminho por seus próprios desejos, Goro é manipulado por seus próprios desejos de justiça assim como o protagonista e seu grupo, os Phantom Thieves são manipulados através, também de seus desejos. E isso tudo torna o jogo, mesmo com elementos de ficção, tão possível, tão atual e tão ligado a realidade da maioria dos lugares do mundo, que assusta, e te faz querer acabar com isso, de uma vez por todas, nem que seja no jogo. É curioso ao terminar o jogo pensar que os Phantom Thieves ajudaram o vilão durante um tempo, pois aos eliminar os desejos distorcidos dos palácios, os possuidores dos palácios ingressaram no desejo distorcido do subconsciente coletivo, e passaram a integrar a massa sem capacidade de pensar por si própria, e analisando com mais calma, talvez os próprios protagonistas tenham distorcido seu desejo de justiça e a batalha final seja o maior roubo de coração do jogo, o dos próprios Phantom Thieves.

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